'EUA devem aprovar uso terapêutico de MDMA em 2026', diz pesquisador pioneiro dos psicodélicos
Pesquisador fala em exclusividade ao GLOBO sobre quais serão os próximos passos das pesquisas e tratamentos com substâncias psicoativas
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— Rio de Janeiro
21/08/2025 04h30 Atualizado há 23 horas
Em uma verdadeira renascença dos psicodélicos, drogas como LSD e MDMA, declaradas outrora como inimigos oficiais em países como os Estados Unidos, se tornaram a principal ferramenta de inovação no tratamento do trauma persistente.
Este movimento teve como pioneiro o psicólogo e pesquisador norte-americano Rick Doblin, que fundou a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) em 1986, uma organização sem fins lucrativos dedicada ao desenvolvimento de tratamentos médicos com substâncias psicodélicas, com o objetivo de trazer substâncias psicoativas de volta ao meio científico.
Em terras brasileiras para palestrar durante o Rio Innovation Week, que aconteceu no Rio de Janeiro durante os dias 12 e 15 de agosto, o especialista em psicodélicos revelou ao GLOBO que espera um sinal verde da Food and Drug Administration (FDA), equivalente à Anvisa nos EUA, para o MDMA — ou ecstasy. Na entrevista a seguir, ele detalha como funciona a terapia com a substância.
Muitos imaginam que o tratamento terapêutico feito com psicodélicos é similar ao uso ilegal. No entanto, o tratamento para estresse pós-traumático (TEPT), por exemplo, é feito em um ambiente controlado, com acompanhamento de psicólogos. Pode explicar melhor como isso funciona?
Em primeiro lugar, as pessoas ficam surpresas ao saber que a sessão com MDMA dura 8 horas. Para a psilocibina, às vezes é uma sessão de 6 horas. Para o LSD, pode ser uma sessão de 10 horas. As etapas são divididas em três: a preparação, feita sem drogas, depois a sessão em que se recebe os psicodélicos e depois há o que se chama integração.
A preparação, que antecede as sessões, são 90 minutos para conversar sobre a eventual experiência com MDMA, que pode levar três semanas consecutivas. Essa etapa visa auxiliar o terapeuta a compreender o paciente e auxiliar essa pessoa a desenvolver confiança no terapeuta. O que as pesquisas têm demonstrado é que o fator mais importante é a aliança terapêutica.
O formato que adotamos é de três sessões de MDMA com intervalos de um mês entre elas. Entre cada sessão de MDMA, há três sessões de integração sem drogas, com duração de 90 minutos, para discutir as questões que surgiram durante o uso do psicodélico. Com o MDMA, administramos uma dose inicial e, duas horas depois, administramos metade da dose inicial para prolongar a sessão.
O fato de o profissional acompanhar o paciente durante todo o processo do uso do MDMA é diferente das terapias tradicionais, em que o medicamento é usado pela pessoa em casa. Poderia explicar por que isso é importante?
As sessões de integração de 90 minutos são muito importantes. Nós tentamos sempre ter dois psicólogos acompanhando a sessão durante todo o tempo que ela acontece, uma mulher e um homem. Os dois gêneros estão presentes porque às vezes aquela pessoa pode ter um trauma relacionado à mãe, às vezes a um tio. A equipe masculina e feminina também pode, de certa forma, reproduzir a presença dos pais que você não teve quando era jovem.
O papel do psicólogo ali é ajudar o paciente a entender e processar os sentimentos que surgem a partir do MDMA, mas sem deixá-los totalmente à mercê da droga. Em pessoas com traumas graves, as coisas ficam armazenadas na memória da mente, mas também do corpo.
Então, a dupla acompanha um paciente por vez. Quando os efeitos da droga se iniciam, é como se ela estivesse sonhando acordada, a diferença é que você não pode acordar.
Ao chegar a esses pontos de medo, muitas vezes da origem de um trauma, você não pode simplesmente acordar, você tem que processar o medo e, então, nós apoiamos as pessoas a chorar, gritar, berrar, fazer o que for, ou simplesmente ficar em silêncio e pensar sobre isso.
O objetivo do psicodélico, quando usado corretamente por pessoas que se preocupam com os pacientes, é dar a eles o mínimo possível de sessões e ensiná-los pouco a pouco a processar suas emoções por conta própria.
E isso é o mais importante que ensinamos às pessoas: que isso está dentro de você e que, se você não estiver ciente disso, vai afetar sua saúde, suas emoções e, portanto, tornar-se consciente pode ser doloroso, mas também é o caminho para a cura.
Existem outros benefícios de usar o MDMA para tratar o TEPT comparados aos outros tipos já existentes de terapia para o transtorno?
As duas principais terapias utilizadas por milhares de terapeutas são a exposição prolongada e terapia de processamento cognitivo. Um estudo comparou qual delas era melhor. Eles convidaram 916 veteranos de guerra e levaram ao todo seis anos para completar a pesquisa. O que eles descobriram foi que a exposição prolongada era um pouco melhor do que a terapia de processamento cognitivo, mas metade das pessoas em cada grupo abandonou o estudo porque era muito doloroso lembrar do trauma e revivê-lo repetidamente.
E um dos principais benefícios da terapia com o MDMA é que ele reduz o medo ao trabalhar diretamente na amígdala, uma região do cérebro que processa as emoções. Você consegue lembrar do trauma sem deixar que ele te consuma completamente. Por isso, a taxa de desistência do nosso programa é muito mais baixa do que 50% das terapias tradicionais. Nossos estudos mostraram menos de 5% de desistência.
A Food and Drug Administration (FDA) deu sinal vermelho para o uso terapêutico do MDMA. Qual é o próximo passo para o MAPS?
Então, a FDA não disse não. Eles disseram que ainda não. A FDA pediu mais informações porque eles estavam incertos se os dados eram realmente bons. Algumas pessoas disseram que os dados são tão bons que não sabem se devem acreditar neles. O maior problema apontado é que a maioria das pessoas que recebem o placebo, sabem que receberam o placebo. Se recebem o MDMA, sabem que receberam o MDMA. E isso dificulta realmente encontrar dados objetivos sobre os efeitos da droga.
Portanto, haverá uma revisão de todos os dados. O que o Secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, RFK Junior, e o chefe da FDA disseram é que os psicodélicos são uma prioridade. Então, acho que haverá novas discussões com a FDA para explicar por que acreditamos em nossos dados. Acredito que uma possível aprovação da FDA deve vir no próximo ano.
A Ucrânia foi o sétimo país a receber treinamento do MAPS para pesquisas envolvendo o uso do MDMA em sessões de terapia para estresse pós-traumático. Como foi a experiência?
A Ucrânia tem leis terríveis por conta da Rússia, que impedem a realização de pesquisas sobre drogas. É um dos poucos países do mundo, assim como a Rússia, onde não é possível nem mesmo realizar pesquisas. Portanto, o treinamento teve como objetivo principal mostrar aos ucranianos que existem maneiras de ajudar no tratamento de traumas, como essa que estudamos, e que seria uma boa ideia alterar as leis.
Então, quando fizemos o treinamento, nós o fizemos em Laviv, que fica na parte ocidental, e não nos sentimos em perigo algum. Senti mais perigo em Israel do que quando estive na Ucrânia. Agora, também estamos tentando trabalhar no Líbano. Queremos levar o MDMA para áreas com alto índice de trauma em todo o mundo, e acho que o Brasil também será eventualmente um desses lugares.
Qual é a nova fronteira nas pesquisas com psicodélicos, o que temos de mais novo?
Terapia de grupo. E também uma combinação de diferentes psicodélicos de uma forma benéfica. O primeiro estudo sobre o assunto está sendo realizado na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, comparando pessoas que tomam psilocibina e MDMA ao mesmo tempo. Outro ponto inovador que estamos observando é trabalhar com pessoas menores de 18 anos. Isso provém da ideia de que é importante lidar com o trauma o mais jovem possível, ao invés de esperar que essa pessoa amadureça carregando esses laços dolorosos com o próprio passado. Isso já está sendo feito no Hospital McLean, que é parte da Escola de Medicina de Harvard.
Qual será o papel da inteligência artificial (IA) em novos estudos sobre os psicodélicos?
Bem, acho que a principal função da IA será o desenvolvimento de novos medicamentos. Entender as relações entre estrutura e atividade no cérebro e como desenvolver novas moléculas que possam ter diferentes efeitos. Muito se fala sobre a IA como forma de terapia ou o chat GPT como seu terapeuta. Eu diria que isso pode ser útil em certas formas de pensar, mas quando você está traumatizado por pessoas e perdeu sua fé na humanidade e nas pessoas, uma máquina não vai restaurar sua fé. Portanto, acho que, no final das contas, para o transtorno do estresse pós-traumático, serão necessários terapeutas humanos. Não acho que a IA substituirá os terapeutas humanos de forma alguma.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/08/21/eua-devem-aprovar-uso-terapeutico-de-mdma-no-proximo-ano-diz-especialista-em-tratamento-para-estresse-pos-traumatico.ghtml
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