BASEADO EM FATOS REAIS, ANOREXIA É TEMA DE NOVO FILME E DOCUMENTÁRIO PREMIADO INTERNACIONALMENTE DE MOARA PASSONI

  

Moara Passoni (Foto:  Janice D´Ávila)

Moara Passoni (Foto: Janice D´Ávila)


  • LAURA REIF
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Moara Passoni é roteirista do documentário Democracia em Vertigem, de 2019, dirigido por Petra Costa, indicado ao Oscar de Melhor Documentário de Longa Metragem em 2020. Agora ela, lança seu primeiro filme como diretora, Êxtase, que conta de forma íntima e poética a história de uma garota que tem anorexia dos 11 aos 18 anos. A história é baseda na própria vida da diretora, à frente de uma história que vem para “estranhar essa dor” que é a anorexia. Ela trata do assunto de maneira diferente àquela que vem à cabeça. A anorexia não é retratada por Moara só como um corpo magro, mas como uma forma de controle sobre a própria existência. 

O filme recebeu atenção internacional e ganhou premiações como no Festival du Cinema Nouveau, festival de cinema indpendente do Canadá, e no Lucas International Film Festival da Alemanha.

Êxtase foi eleito na categoria de melhor filme brasileiro entre diretores estreantes pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, exibida nesta semana. 

A jornada de Moara é vivida pela personagem Clara, que traz de um ponto de vista singelo que conecta o corpo com os sentimentos - ou a tentativa de silenciá-los por jovens que sofrem com distúrbios alimentares. . 

“Não quis espetacularizar o corpo anoréxico. O corpo mórbido é muito sedutor e paralisa a compreensão do que está acontecendo. Queria falar para além dele. No meu caso, não era que eu queria a morte. Era uma maneira de encontrar minha voz no mundo”, conta.

A diretora foi assombrada pela anorexia na adolescência vivida nos anos 1990, mas reflete com muita empatia sobre as nuances que passou. Na época, foi diagnosticada com anorexia crônica, um distúrbio alimentar resultado da preocupação exagerada com o peso corporal e que pode provocar problemas físicos graves.

“Até encontrar alguém que fosse capaz de me escutar, não conseguia sair da anorexia. E não foi por falta de tentativa de ir a médicos. Meus pais me levaram em todos os médicos possíveis. Uma vez um médico disse: 'Se você não comer, vai morrer'. Eu falava: 'E daí?'".

Muito além da questão estética, era uma forma de controlar seu mundo particular em meio aos acontecimentos da vida e da sociedade, uma forma de controlar algo que fugia do seu alcance. Era como ter uma autonomia bem particular. Na busca desta forma de controle, parou de comer. “Nesse processo todo, eu tinha um prazer imenso de começar a me sentir onipotente. Você não precisa de mais nada, nem ninguém. A sensação é essa. E você controla a coisa mais primária que você tem: a própria fome”, explica.

Por isso o título Êxtase. "Era uma busca por um êxtase, mas é um prazer que não se completa. Como no filme, ela não transcende. Porque se ela o fizesse, a consequência seria a morte", explica.

Durante 10 anos a roteirista e diretora pesquisou sobre anorexia, conversou com mulheres que sofriam do distúrbio alimentar, com psicólogos da Unifesp, filmou no Ambulim (Programa de Transtorno Alimentares do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo - USP) e participou de eventos como o Topografias do Corpo - Sesc Paulista.

No Brasil, os transtornos alimentares, como bulimia, anorexia e compulsão alimentar, afetam cerca de 4,7% da população. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos alimentares [conjunto de doenças psiquiátricas de origem genética, hereditária, psicológicas e/ou sociais, caracterizados por perturbação persistente na alimentação] chegam a 10% entre os mais jovens.

Muito além da definição clínica, Moara sentiu a necessidade de trazer uma imersão na vida de quem luta contra a anorexia. “Numa tensão entre o documentário e a ficção”, como ela define, o filme mostra o processo de transformação que ocorre na vida de Clara em sua dimensão da infância para se tornar mulher.

“Anorexia é turbulenta”

Cercada por figuras femininas fortes, Moara cresceu tentando encontrar a própria força, mas só se salvou quando deixou-se fragilizar, quebrando a espiral autodestrutiva em busca de controle.

A sua mãe foi militante de esquerda na vida real. No filme, a mãe da protagonista é militante no Jardim Ângela, periferia na zona sul de São Paulo, e é eleita a deputada federal. Com isso, leva a família para Brasília. A produção mostra a trajetórica política pela visão da garota. 

“Anorexia é turbulenta. Ter que lidar com esse desejo é muito perturbador e violento. As pessoas se salvam por meios diferentes. Pela arte, política. O corpo é tão perene, então qual é o sentido da nossa existência?”, questiona a diretora. “No meu caso, era uma recusa. Você não quer esse corpo. É uma batalha entre a mente e o corpo. O processo de sair da anorexia é um processo de poder habitar esse corpo. O desafio é justamente esse. Como você pode se sentir confortável no seu corpo?”, continua.

Nas redes sociais, há grupos a favor da anorexia, cujos nomes não serão citados na reportagem, onde meninas e mulheres discutem “técnicas” para perder peso mais rápido e compartilham histórias de incentivo à anorexia. “Esses grupos contam um grito que não estamos escutando. De mulheres que querem se tornar mulheres, mas não se encaixam nesse mundo opressivo em relação ao feminino”, analisa.

Hoje, com 34 anos, a diretora está há muito tempo curada do transtorno alimentar, mas continua a se compadecer com a dor de todas as pessoas que sofrem e morrem por conta da anorexia. Às adolescentes que, como ela no passado, lutam para emagrecer compulsivamente, Moara aconselha transformar as dores em uma forma de poder e lembra que elas têm o direito de estar no mundo de outras formas.

“Sei que parece difícil encontrar algo no mundo de fora que faça sentido, mas é importante que a gente possa olhar ao nosso redor. O mundo de fora é doloroso, mas também é cheio de possibilidades fantásticas. Precisamos encontrar pessoas que nos dêem a mão. Elas nos ensinam o amor próprio. E entendem que o sofrimento não é individual. Sair da anorexia é um processo doloroso, mas compensador”, completa.

Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/11/baseado-em-fatos-reais-anorexia-e-tema-de-novo-filme-de-moara-passoni.html

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