MATHEW PERRY, O CHANDLER DE 'FRIENDS', REVELA LUTA CONTRA DROGAS E ALCOOL EM AUTOBIOGRAFIA BEM-HUMORADA

  Os ‘friends’  em 2001. A partir da esquerda, Mathew Perry, Matt LeBlanc e David Schwimmer; embaixo, Courteney Cox, Lisa Kudrow e Jennifer Aniston: “O melhor emprego do mundo”, diz o intérprete de Chandler Bing

Matthew Perry, o Chandler de 'Friends', revela luta contra drogas e álcool em autobiografia sincera e bem-humorada

Memórias e indiscrições do ator, além da ausência de autovitimismo, são pontos positivos da autobiografia

Por Nelson Vasconcelos — Rio de Janeiro

19/02/2023 04h30  Atualizado há 9 meses

Profissional bem cotado, inteligente, divertido, bonito, podre de rico. Nem assim o ator Matthew Perry, de 53 anos, teve uma vida molezinha, a julgar por sua autobiografia, “Amigos, amores e Aquela Coisa Terrível”, recém-lançada lançada por aqui. Você pode não ter ligado o nome à pessoa, mas certamente o viu inúmeras vezes desde 1994, ano em que estreou, nos EUA, a sitcom “Friends”, repetida ad infinitum desde então. Perry encarnava Chandler Bing, o mais palhacinho dos seis amigos. Divertir os outros sempre foi sua ambição — além de ficar muito, muito famoso. E ele chegou lá. Só não esperava tornar-se também um alcoólatra da pesada, viciado em opioides e fumante inveterado.

Mais do que fofocas de bastidores da TV americana, é disto que trata o livro: vida real. E não é porque o sujeito passou por tantos perrengues que sua história tem que ser contada em tom lacrimejante. Perry é um narrador engraçadíssimo, que faz o leitor sorrir até quando descreve momentos sórdidos ou internações que encarou para livrar-se (temporariamente) de seus vícios. E tem também a sinceridade. Suas memórias e indiscrições, além da ausência de autovitimismo, são pontos positivos da autobiografia. O ator parece ter se divertido ao escrevê-la.

Fortuna para ficar sóbrio

Perry não nos deixa esquecer que tem grana. Conta, por exemplo, que nas últimas temporadas de “Friends”, ele e seus parceiros de cena ganhavam, cada um, U$ 1,1 milhão por episódio. Ele não comenta no livro, mas sites como o Celebrity Net Worth estimam que sua fortuna esteja, hoje, em US$ 130 milhões (uns R$ 670 milhões).

Tá de bom tamanho, e poderia ser mais, não tivesse ele gastado, como estima, nada menos que US$ 7 milhões “tentando ficar sóbrio”. Além de 65 internações para desintoxicação, foram 30 anos fazendo análise duas vezes por semana. E tem as drogas, claro, que consumiram caminhões de dinheiro: cada “comprimido ilegal”, por exemplo, custava US$ 75, e foram milhares deles ao longo de três décadas: no auge do problema, o ator engolia 55 pílulas de Vicodin por dia (e US$ 3 mil por entrega, várias vezes por semana).

Ele também perdeu uns cascalhos por rescindir projetos em andamento, além de dispensar convites com valores estratosféricos porque estava ocupado com o que chama de Aquela Coisa Terrível, ou seja, a dependência química.

Há outros números exagerados nessa vida loka: a primeira das suas 65 internações para desintoxicação foi aos 26 anos; ele calcula ter participado de seis mil reuniões do Alcoólicos Anônimos; durante “Friends” (1994-2004), seu peso variou entre 58 e 102 quilos — quanto mais magro, mais remedinhos. Já o cardápio das suas drogas é um extenso manual de fármacos do capeta. Sem falar das cerejinhas: três carteiras de cigarro e tonéis de vodca tônica, todo santo dia.

E aí a gente, de olho nos boletos, tende a não acreditar quando um ricão diz isso, mas Perry repete o clichê: carrões, casas e apartamentos gigantescos, fortuna, empregos invejáveis e mulheres idem... nada disso compra a felicidade de ninguém. Nem mesmo se você estiver namorando uma apaixonada Julia Roberts — como foi o caso. Perry dispensou Julia e muitas outras namoradas porque tinha medo de ser dispensado por elas no futuro. Para evitar essa tristeza, ele mesmo dava fim ao romance. Hoje se lamenta por ter sido tão idiota tantas vezes (e, ao mesmo tempo, diz ter medo de ficar sozinho).

De alguma maneira, o ator parece não saber cultivar amizades, a não ser com alguns parceiros de escola. Estende-se bastante, por exemplo, ao falar do “cara legal” Bruce Willis, com quem gravou “Meu vizinho mafioso” (1999) e divertiu-se muito. Mas depois conta que a vida os separou. E finaliza: “Eu, obviamente, rezo por ele toda noite hoje em dia.”

O problema, diz Perry, está no vazio gigante que sente desde criança. Nascido em 1969 nos EUA, foi com a família para o Canadá ainda bebê. Mas os pais se separaram quando tinha 9 meses. Sua infância, ao lado da mãe sempre tão atarefada, foi uma constante luta por atenção. Como o pai se mudara para a Califórnia, o vazio só foi crescendo, tornou-se crônico.

Já aos 12 anos, viajando sozinho para Los Angeles, onde passaria a viver com o pai, o garoto entendeu que agora seria “cada um por si”, o que teria sido determinante para sua carreira (sem trocadilho, porque ele revela não ser muito chegado em cocaína). Ele ainda tentou se convencer de que seria um campeão nas quadras de tênis, mas não foi adiante — sobretudo depois dos 14 anos, após os primeiros pileques.

Língua afiada e talento nato para as telas, Perry começou a ganhar destaque no meio artístico ainda adolescente, até que, meio por acaso, conseguiu pegar o último papel disponível para “Friends”. Ele nunca teve dúvida de que Chandler não era apenas um personagem: na sua ótica, Chandler era Matthew Perry.

Sobre a série, o ator até fala pouco, sempre reforçando que foi “o melhor emprego do mundo”. Como modéstia não é o seu forte, assegura que seu jeito peculiar de fazer as piadinhas mudou a entonação de milhões de americanos. E garante que nunca trabalhou doidão nos 237 episódios do maior sucesso da TV americana de sua época. Mas conta, por exemplo, que certa vez deixou a clínica de desintoxicação onde estava internado apenas para gravar o casamento de Chandler com Monica (a atriz Courteney Cox). No fim do dia, voltou para a rehab.

A série, claro, abriu-lhe vários caminhos — que percorreu, quase sempre, animado por opiáceos. Ainda assim, o mais engraçado dos friends também convenceu como ator dramático: de suas quatro indicações ao Emmy, premiação mais importante da TV americana, três foram por atuações em “papéis sérios”.

Quase morte

Certo é que, com ou sem trabalho, sempre batia em Perry a angústia da aposentadoria precoce e um certo abandono, espécie de gatilho para a busca de toneladas de venenos antimonotonia. Assim, alternou períodos de desintoxicação, sanidade e recaída.

Deu no que deu: certa vez, fortemente constipado, seu intestino simplesmente estourou, e daí vieram coma, pneumonia, 2% de chance de sobreviver. Safou-se, mas desde então fez 14 cirurgias para consertar o estrago.

Por essas e outras, Perry se considera um sobrevivente. Está limpo desde meados da pandemia e tem se dedicado a ajudar viciados e alcoólatras. Drogas, nunca mais?

Nunca diga nunca. Perry lembra que seu vício vive em estado latente, uma doença paciente, e não uma guimba que a gente pisa e esquece. Por isso, todo cuidado é pouco.

No fim do livro, a mensagem é otimista. E o ator deixa claro que, com frequência, sujeitos que sempre têm uma piadinha na manga usam o bom humor para camuflar algum vazio que pesa no peito, daqueles que Freud explica, mas não cura.

‘Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível’. Autor: Matthew Perry. Tradução: Carolina Simmer. Editora: BestSeller. Páginas: 294. Preço: R$ 59,90. Cotação: bom.


Fonte:https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2023/02/matthew-perry-o-chandler-de-friends-revela-luta-contra-drogas-e-alcool-em-autobiografia-sincera-e-bem-humorada.ghtml

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