TAXA DE SUICÍDIO ENTRE IDOSOS CRESCE E PREVENÇÃO É O MELHOR CAMINHO

 Foto do rosto de uma idosa cobrindo a face com as mãos

 Profissionais de saúde devem estar atentos aos riscos de suicídio e adotar ações de proteção ao idoso - Foto: ACS

Taxa de suicídio entre idosos cresce e prevenção é o melhor caminho

Duas datas importantes e consecutivas no calendário, o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, e o Dia Internacional do Idoso, comemorado em 1º de outubro, oportunizam a reflexão sobre a situação do idoso na sociedade e o crescente índice de antecipação do fim da vida nessa população.

Dados do Ministério da Saúde, divulgados em 2018, apontam para a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos. Nessa faixa etária, foi registrada a taxa média de 8,9 mortes por 100 mil nos últimos seis anos. A taxa média nacional é 5,5 por 100 mil. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam ainda que a população brasileira com 60 anos de idade ou mais cresceu 18,8% entre 2012 a 2017. A mudança no perfil epidemiológico do envelhecimento no Brasil está produzindo demandas que requerem respostas das políticas sociais e implicam em ações de enfrentamento dos problemas sociais e de saúde que afetam essa população.

A psicóloga Claudia Weyne Cruz, especialista em saúde da Escola de Saúde Pública (ESP/RS), e com doutorado sobre o tema “suicídio de idosos em municípios do Rio Grande do Sul”, avalia que nesta fase da vida a pessoa acumula perdas próprias da idade, entre elas, do cônjuge, do vínculo com o trabalho e de amigos. “Muitas vezes o desejo de antecipar o fim está associado também à perda de saúde, de autonomia e de papéis sociais”.

A especialista explica que o comportamento suicida é resultado da interação de diversos fatores e que por vezes os idosos manifestam a intenção suicida, de forma indireta, por meio de verbalizações: “estão todos bem e não precisam mais de mim”; “não quero incomodar ninguém, já vivi demais”; “meu último compromisso era ver meu filho encaminhado”, “estou cansado de viver”. A comunicação verbal pode estar acompanhada de mudanças repentinas de comportamento, como desinteresse por atividades antes consideradas prazerosas, descuido com a alimentação, medicamentos e aparência, desejo súbito de distribuir pertences, bens, patrimônio e herança.

“Esses sinais muitas vezes são uma forma de despedida silenciosa da vida e não devem ser negligenciados por familiares, amigos e profissionais de saúde”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que para cada suicídio consumado há cerca de vinte pessoas que o tentam. Entre idosos, a razão entre tentativas e suicídios efetivados chega a ser de aproximadamente dois para um. Isso demonstra que os mais velhos são menos ambivalentes em relação a morte, ou seja, tem menos dúvidas em relação à antecipação do fim. Claudia ressalta que as doenças incapacitantes, a dor física, as dificuldades de acesso à saúde, a falta de recursos financeiros, a solidão, o abandono e outras tantas violências praticadas contra os idosos podem levá-los a desejar a própria morte.

Com relação ao risco de suicídio nessa população, os profissionais de saúde precisam estar atentos aos sinais de alerta. É difícil para o idoso manifestar verbalmente o seu sofrimento, que acaba encoberto por queixas indeterminadas, motivo pelo qual busca com frequência o atendimento de saúde. “Em geral, esse usuário chega ao serviço de saúde alegando sintomas vagos ou uma dor difusa, um aperto no peito. Se o vínculo com a pessoa que o está atendendo for estabelecido, ele poderá confidenciar que ‘está pensando em fazer uma bobagem’. Por isso, precisamos acolher essas queixas, oferecer uma escuta qualificada, sem nenhum julgamento moral, e ajudar o idoso a falar dos seus sentimentos”.

A psicóloga destaca a importância de o profissional avaliar o grau de risco para o comportamento suicida, e tomar as medidas de proteção necessárias e encaminhamentos indicados dentro da rede de atenção à saúde, integrados com uma rede intersetorial que inclua assistência social, associações de bairro, centros de convivência, entre outros. O usuário deve ser acompanhado pelas equipes de saúde na atenção básica, mesmo que necessite de cuidados especializados em saúde mental. Cita ainda a importância de construir com o idoso o “plano terapêutico singular”, que considere a sua história de vida, lembrando que as responsabilidades pelo tratamento precisam ser compartilhadas entre usuários, familiares, profissionais e comunidade em geral.

“Nesse processo, é preciso ouvir o usuário, entender sua história e resgatar projetos que ficaram relegados, retomar atividades que, em algum momento, foram fonte de alegria e de prazer para esse idoso. Temos que ajudá-lo a construir um novo sentido, significado e direção para sua vida”.

Claudia argumenta que a sociedade necessita rever seus conceitos sobre o envelhecer. “Culturalmente, precisamos superar a visão que considera o idoso um estorvo e o relega ao isolamento social. É importante valorizar a sabedoria e a experiência das pessoas mais velhas, promovendo um envelhecimento ativo, digno, com reconhecimento social e familiar”, conclui.

Prevenção

Desde junho de 2011, as tentativas de suicídio se tornaram agravos de notificação compulsória e, desde 2014, de notificação imediata nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. O que indica a necessidade de acionamento imediato da rede de atenção e proteção para a adoção de medidas adequadas a cada caso.

A sensibilização dos profissionais de saúde que atuam na rede de assistência é importante para ampliar e qualificar as notificações. Neste ano, o Programa Estadual de Vigilância da Violência Interpessoal e Autoprovocada completa 10 anos. Nesse período, foram realizadas capacitações permanentes em todas as regiões do Estado para trabalhadores e gestores das redes de saúde e intersetorial. Em 2019, o Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio do RS, durante a programação alusiva ao Setembro Amarelo, possibilitou que mais de quatro mil profissionais de diversas áreas participassem de seminários e eventos de sensibilização para o tema
da prevenção do suicídio no Rio Grande do Sul.

Onde buscar ajuda para prevenir o suicídio?

Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde).
UPA 24H, Samu 192, Pronto Socorro, Hospitais.
Centros de Apoio Psicossocial (Caps), uma iniciativa do SUS. De acordo com dados do Ministério da Saúde, onde existe esse serviço o risco de suicídio reduz em até 14%.
Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita).

Fatores de risco para idosos

Transtorno mental – Depressão (não diagnosticado)
perda de pessoas significativas e referências sociais;
vivência de solidão, acompanhada de dificuldades materiais;
doenças crônicas e degenerativas (perda de autonomia);
receio de ser um estorvo para a família;
conflitos familiares e situações de violência, etc.

Fatores de proteção

Espiritualidade/fé;
conectividade social e participação na vida comunitária;
suporte emocional por parte de familiares;
acesso à saúde
acolhimento (escuta) nos serviços de saúde;
reconfiguração de projetos pessoais, etc.

POR ANA FUMEGALLI

 

Fonte: https://saude.rs.gov.br/taxa-de-suicidio-entre-idosos-cresce-e-prevencao-e-o-melhor-caminho#

Taxa de suicídio é maior em idosos com mais de 70 anos

Dados inéditos do Ministério da Saúde apontam ainda que suicídio é a quarta causa de morte entre jovens. Diagnóstico orientará qualificação e expansão da rede de atenção à saúde mental

Em alusão ao setembro amarelo, mês de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio, o Ministério da Saúde divulga, nesta quinta-feira (21/9), o primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil. Um dos alertas é a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos. Nessa faixa etária, foram registradas média de 8,9 mortes por 100 mil nos últimos seis anos. A média nacional é 5,5 por 100 mil. Também chamam atenção o alto índice entre jovens, principalmente homens, e indígenas. O diagnóstico inédito vai orientar a expansão e qualificação da assistência em saúde mental no país.

O Ministério da Saúde, com base nos dados do boletim, lança uma agenda estratégica para atingir meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de redução de 10% dos óbitos por suicídio até 2020. Entre as ações, destacam-se a capacitação de profissionais, orientação para a população e jornalistas, a expansão da rede de assistência em saúde mental nas áreas de maior risco e o monitoramento anual dos casos no país e a criação de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio. Desde 2011, a notificação de tentativas e óbitos é obrigatória no país em até 24h.

“Temos o compromisso de reforçar agora toda nossa rede de atenção psicossocial junto aos gestores locais, visando fortalecer e ampliar a assistência a todos os indivíduos que necessitam de atenção e cuidado neste momento”, afirmou o Secretário de Vigilância em Saúde, Adeilson Cavalcante.

O diagnóstico registrou entre 2011 e 2016, 62.804 mortes por suicídio, a maioria (62%) por enforcamento. Os homens concretizaram o ato mais do que as mulheres, correspondendo a 79% do total de óbitos registrados. Os solteiros, viúvos e divorciados, foram os que mais morreram por suicídio (60,4%). Na comparação entre raça/cor, a maior incidência é na população indígena. A taxa de mortalidade entre os índios é quase três vezes maior (15,2) do que o registrado entre os brancos (5,9) e negros (4,7). “A reúne esforços entre as áreas de vigilância e assistência em saúde com programas de prevenção e cuidado da saúde mental para diminuir a mortalidade por suicídio”, ressaltou Quirino Cordeiro Junior, coordenador geral de Saúde Mental, álcool e outras drogas do Ministério da Saúde.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é maior entre os homens, cuja taxa é de 9 mortes por 100 mil habitantes. Entre as mulheres, o índice é quase quatro vezes menor (2,4 por 100 mil). Na população indígena, a faixa etária de 10 a 19 anos concentra 44,8% dos óbitos. “A notificação de casos é muito importante para que consigamos visualizar onde se encontram as regiões com maiores indicadores e reunir esforços para diminuir as taxas de suicídio. Já trabalhamos com ações de prevenção nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que, em breve, devem chegar nas áreas de maior incidência”, enfatizou Maria de Fátima Marinho, Diretora do Departamento de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis do Ministério da Saúde.

O documento apresenta ainda que, entre os anos de 2011 e 2016, ocorreram 48.204 tentativas de suicídio. Ao contrário da mortalidade, foram as mulheres que atentaram mais contra própria vida, 69% do total registrado. Entre elas, 1/3 fez isso mais de uma vez. Por raça/cor, a população branca (53,2%) registrou maior taxa. Do total de tentativas no sexo masculino, 31,1% tinham entre 20 e 29 anos. Além disso, 58% dos homens e mulheres que tentaram suicídio utilizaram substâncias que provocaram envenenamento ou intoxicação.

Entre os fatores de risco para o suicídio estão transtornos mentais, como depressão, alcoolismo, esquizofrenia; questões sociodemográficas, como isolamento social; psicológicos, como perdas recentes; e condições clínicas incapacitantes, como lesões desfigurantes, dor crônica, neoplasias malignas. No entanto, tais aspectos não podem ser considerados de forma isolada e cada caso deve ser tratado no Sistema Único de Saúde conforme um projeto terapêutico individual.

ASSISTÊNCIA É FATOR DE PROTEÇÃO – Os serviços de assistência psicossocial tem papel fundamental na prevenção do suicídio. O Boletim apontou que nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), uma iniciativa do SUS, o risco de suicídio reduz em até 14%. Existem no país, 2.463 CAPS e, no último ano, foram habilitadas 146 unidades, com custeio anual de R$ 69,5 milhões do Ministério da Saúde. Por isso, a agenda estratégia prevê a expansão dessas unidades nas regiões de maior risco.

Outro ponto para ampliar o atendimento é a parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV). O Ministério da Saúde tornou gratuito a ligação para a instituição que faz o apoio emocional por para prevenção de suicídios. A partir do dia 30/09, além do Rio do Grande do Sul, o 188 ficará disponível sem custo de ligação para mais oito estados: MS, SC, PI, RR, AC, AP, RO e RJ. A expansão beneficiará 21% da população brasileira. Para se ter ideia do impacto da medida, no Rio Grande do Sul, onde já funciona desde setembro, número de atendimento aumento em treze vezes: de 4.500 ligações em setembro de 2015 para 58.800 em agosto deste ano. Além disso, a entidade também presta assistência pessoalmente, via e-mail ou chat. A representante do CVV, Leila Herédia, ressalta a importância da gratuidade das ligações para o aumento dos atendimentos. “O custo das ligações era um fator impeditivo na hora das pessoas procurarem ajuda. No momento de angústia, as pessoas querem ser ouvidas, querem conversar. A medida vai facilitar o acesso da população aos serviços do CVV”, afirmou.

Também está previsto materiais de orientação para ampliar a comunicação social e qualificar a informação aos jornalistas, profissionais de saúde e a população. Por isso, o Ministério lançou um folheto informativo para os jornalistas, com sugestões sobre como abordar o tema. Para a população, foi feito um folder com foco na identificação de sinais de alerta, como o que fazer e o que não fazer diante de uma pessoa com risco de suicídio. Já para profissionais de saúde, foi feito documento sobre a importância da notificação compulsória da tentativa de suicídio em até 24h e que traz informações técnicas sobre acolhimento na rede do SUS. Todos os documentos estão disponíveis para download no Portal da Saúde (www.saude.gov.br).

Já para a Educação Permanente dos profissionais de saúde na prevenção do suicídio, o Ministério da Saúde oferta, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um curso à distância sobre Crise e Urgência em Saúde Mental. Desde 2014, já foram capacitados 1.994 profissionais. A próxima turma, prevista para 2018, capacitará outros 1.500 profissionais da RAPS, com capítulo sobre suicídio. Outra capacitação prevista é a Oficina Nacional de Qualificação das Ações de prevenção suicídio entre povos indígenas, que será realizada em novembro. Também para os índios, ainda nesta ano, haverá a implantação das linhas de cuidados de prevenção do suicídio com capacitações em 16 DSEI prioritários e formação de jovens indígenas multiplicadores em estratégias de valorização da vida nas regiões com maior incidência de suicídio.

 

Por Victor Maciel, da Agência Saúde
Atendimento à imprensa
(61) 3315-3174 / 3580

 

Fonte: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/29691-taxa-de-suicidio-e-maior-em-idosos-com-mais-de-70-anos

Crescem os casos de suicídio entre idosos no Brasil

Entre 1980 e 2012, o aumento foi de 215,7%. Para especialistas, acúmulo de perdas e isolamento social estão entre as motivações para o ato extremo


O suicídio entre idosos é como aquele segredo de família que todos sabem existir, mas sobre o qual ninguém ousa falar. Tema tabu em qualquer faixa etária, a morte autoafligida soa paradoxal na terceira idade, quando tantas agruras da vida já foram superadas. As estatísticas, porém, alertam que esse silêncio precisa ser quebrado. Em todo o mundo, as maiores taxas de tentativas e atos consumados estão nas faixas etárias avançadas. No Brasil, não é diferente.

Os dados nacionais ainda são escassos, mas evidenciam que o país acompanha a tendência global. O Mapa da Violência 2014, organizado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, aponta que, acima dos 60 anos, há oito suicídios por 100 mil habitantes, taxa maior que a registrada entre outros grupos etários. Entre 1980 e 2012 — período avaliado no estudo —, houve crescimento de 215,7% no número de casos entre os idosos. Da mesma forma que ocorre com os mais jovens, os homens são as principais vítimas. Aos 75 anos, de acordo com o Ministério da Saúde, a razão é de oito a 12 suicídios masculinos por um feminino. 

Outro retrato do tema foi traçado por pesquisadores de sete instituições acadêmicas que, em 2012, publicaram uma edição especial da revista Ciência & Saúde Coletiva com dados quantitativos e qualitativos, coordenados pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Enasp/Fiocruz). Um dos trabalhos utilizou o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, para calcular os registros de suicídio de pessoas com mais de 60 anos entre 1996 e 2007. Nesse período, os pesquisadores identificaram 91.009 mortes autoprovocadas, sendo que 14,2% ocorreram entre idosos.

“Existe essa impressão que o idoso não se mata porque está no fim da vida, porque passou pela adolescência, estabeleceu uma família, já enfrentou o pior da vida. Não é bem assim”, diz a psicóloga Denise Machado Duran Gutierrez, professora da Universidade Federal do Amazonas e autora de três artigos publicados no especial da Ciência & Saúde Coletiva. “Na terceira idade, especialmente quando há doença degenerativa, com perda de capacidade funcional e dor crônica, e quando há perda de laços referenciais e de uma série de suportes, o idoso fica muito vulnerável”, destaca.

Decisão racional

De acordo com a especialista, também é preciso levar em conta que as tentativas de suicídio na terceira idade costumam ser definitivas. “Diferentemente de outras etapas da vida, que se pode pensar no suicídio por impulso, por uma dor de amor, um arroubo de fúria, uma tristeza, o idoso não vive esse tipo de situação. Tem um período de tomada racional de decisão. Em média, o jovem faz 20 tentativas para um efeito, o suicídio. No idoso, são quatro tentativas. Muitas vezes, não há tentativa, é única. Eles usam métodos definitivos.”

Por trás do desejo de antecipar o fim da vida, estão as perdas. Perda de saúde, autonomia, produtividade, papéis sociais. Perda de cônjuges, amigos, cuidadores e de outras pessoas nas quais eles depositam confiança. “A depressão tem um papel muito importante, assim como as questões de aspectos sociais da terceira idade, como a de estar passando por mais perdas, estar passando pela aposentadoria e não se sentir mais útil, de os filhos terem saído de casa, de ele ter mais dificuldade de se encaixar em uma sociedade como a nossa, que não está ainda muito bem preparada para acolher os idosos”, destaca a psiquiatra Helena Moura, especialista em psicogeriatria pela Universidade de São Paulo (USP).

O velho não só sofre processo de migração, de deslocamento. Mas, também, muitas vezes na própria casa, perde o quarto principal, vai pra um quartinho de fundo. Os filhos, quando o levam ao médico, falam por ele, o tratam como criança, desautorizam no médico. O idoso vai perdendo voz, espaço”

A família tem uma responsabilidade enorme nesse processo, afirma Denise Machado Duran Gutierrez. “O velho não só sofre processo de migração, de deslocamento. Mas, também, muitas vezes na própria casa, perde o quarto principal, vai pra um quartinho de fundo. Os filhos, quando o levam ao médico, falam por ele, o tratam como criança, desautorizam no médico. O idoso vai perdendo voz, espaço”, acusa a especialista. Em uma pesquisa sobre 51 casos de suicídio cometidos por pessoas com mais de 60 anos, a professora da Universidade Federal do Amazonas identificou que o fator de maior frequência por trás do ato foi o isolamento social: ao investigar com familiares das vítimas, constatou que esse foi o motivo de 32,1% dos homens e 31,7% das mulheres. 

O estudo também mostrou que, no caso dos idosos do sexo masculino, doenças e perdas que levam a invalidez, interrupção do trabalho ou limitação da capacidade funcional vêm em segundo lugar, seguidas por ideações suicidas (pensamentos constantes sobre esse ato), abusos físicos e verbais, morte/doença de parentes e sobrecarga financeira. Já entre as mulheres, as ideações e tentativas prévias, além de casos suicídios na família, ficaram em segundo lugar. Doenças e deficiências incapacitantes, impacto de mortes ou doenças na família, abuso e violências de gênero e endividamento se seguiram a esses motivos. Por outro lado, apoio de parentes e de amigos, incluindo os elos afetivos e os encontros de sociabilidade e lazer, foram destacados por familiares como possíveis fatores que poderiam evitar o suicídio dos idosos.

Os casos reconstituídos na pesquisa da qual Gutierrez fez parte mostram o quanto uma vida de fatos traumáticos — e sem assistência — pode influenciar no suicídio de idosos. Como a história de uma mulher de 82 anos que sofreu violência doméstica, viu a filha ficar paraplégica depois de baleada pelo marido, perdeu um filho afogado, cuidava do outro filho, que tinha transtorno mental, mas jamais externava as dores da alma. A irmã relatou que ela “sempre sorria, nunca se deixava abater”. Por trás da aparente serenidade, contudo, havia um desejo de colocar um fim nas provações. Em uma idade que passa da expectativa de vida média das mulheres brasileiras, que é de 79,1 anos, ela ateou fogo no corpo. Os médicos que a atenderam ficaram impressionados: morreu como viveu, em silêncio absoluto. 

Assistência falha

Apesar da gravidade e da dimensão do problema, especialistas criticam a falta de recursos e de capacitação profissional. O enfermeiro Maycon Rogério Seleghim, pesquisador do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, lamenta a inexistência de uma base nacional de dados sobre frequência e distribuição das tentativas de suicídio, que, na opinião dele, poderiam ajudar a conscientizar gestores e trabalhadores do setor de saúde sobre a necessidade de se debruçar mais sobre o tema.

A caracterização das tentativas deveria ser uma das primeiras ações a serem realizadas pelos serviços de saúde, sobretudo por aqueles com maior proximidade com essa clientela, como as unidades básicas de saúde”

Seleghim é autor do artigo Caracterização das tentativas de suicídio entre idosos, publicado na revista Cogitare Enfermagem. No trabalho, ele avaliou fichas de ocorrência de 66 tentativas registradas de 2004 a 2010, em um Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Paraná. Ao identificar os métodos mais utilizados por idosos, o especialista defende que é possível investir em estratégias preventivas. “A caracterização das tentativas deveria ser uma das primeiras ações a serem realizadas pelos serviços de saúde, sobretudo por aqueles com maior proximidade com essa clientela, como as unidades básicas de saúde”, afirma.

Uma preocupação do enfermeiro psiquiátrico é com o amplo acesso de pessoas com mais de 60 anos a medicamentos controlados, utilizados por 45,5% dos indivíduos que tentaram cometer o ato. “Uma situação que tem colaborado negativamente com essa questão é a prescrição inadvertida dos psicotrópicos por médicos clínicos gerais ou de família. Muitos dos medicamentos pertencentes a essa classe farmacológica são receitados por esses profissionais aos idosos sem uma avaliação neuropsiquiátrica mais específica ou abrangente, na maioria das vezes, sem considerar estratégias não farmacológicas de tratamento”,  critica.

Entrevista



Com Raimunda Magalhães da Silva

A enfermeira Raimunda Magalhães da Silva, professora de saúde coletiva da Universidade de Fortaleza, integrou um estudo em que foram entrevistados idosos de todas as regiões brasileiras que haviam tentado ou pensado em suicídio. As perdas e os conflitos familiares estiveram presentes em todas as falas, descritas no artigo Influência dos problemas e conflitos familiares nas ideações e tentativas de suicídio de pessoas idosas. “Foi um acúmulo. Primeiro, perdi meu marido, depois, foi a perda de um cunhado e, em um ano, perdi meus três filhos, isso me abalou muito. Eu fiquei desgostosa da vida, a gente pensa que daí em diante tudo vai dar errado, vai faltando forças para viver”, contou uma mulher de 71 anos, moradora do Recife. “A minha família tem condições, mas não ajuda nem me visita. Não tenho com quem compartilhar nada, vou ficar conversando com quem? Aonde? Eu nunca amei e nunca fui amado de verdade”, relatou um homem de 64 anos, de Fortaleza. Leia a entrevista que Raimunda concedeu ao Correio.

A literatura científica, citada em seu artigo, diz que dois terços ou mais de idosos procuraram atendimento nos serviços de atenção primária e sinalizaram para familiares suas intenções 30 dias antes do suicídio. Por que esses sinais são ignorados?

Para os profissionais, ainda falta capacitação para apreender as nuances existentes nas colocações sutis e no silêncio que o idoso faz durante a consulta”

Para os profissionais, ainda falta capacitação para apreender as nuances existentes nas colocações sutis e ou no silêncio que o idoso faz durante a consulta. Para a família, esses sinais são ignorados por não acreditarem que o idoso seja capaz de praticar o suicídio, pela confiança de que estão dando a atenção que o idoso requer, pelo pouco tempo de convivência no domicílio ou na vida social, pelo pouco tempo de conversa com o idoso, por não criarem condições para ouvir as queixas, as lamentações e os questionamentos da pessoa, e por acharem que o idoso não deve participar de assuntos adversos da família e, sim, poupá-lo de preocupações. O idoso com habilidade física, mental e social (embora restrita) deve ser considerado pela família como membro que tem condições de opinar sobre assuntos inerentes à família e a si mesmo.

Os idosos ouvidos na pesquisa já haviam pensado ou tentado suicídio em outros períodos da vida ou foi algo que surgiu apenas com o avançar da idade?

Muitos haviam pensado no suicídio desde a adolescência. Temos o exemplo de uma senhora que foi espancada e abusada sexualmente pelo padrasto desde criança, conseguiu fugir de casa para morar na rua e tentou várias vezes o suicídio. Muitos haviam tentado mais de uma vez, por ter uma história de vida marcada por violência, negligência, abusos sexuais, agressões físicas e psicológicas e sofrimentos existenciais durante a vida. Esses conflitos, na sua grande maioria, eram provocados pelos familiares e pela convivência intergeracional. 

A senhora diz que a não aceitação das perdas é um fator de risco de suicídio na velhice. Por que elas parecem ser tão mais sentidas por idosos do que para o restante da população?

O envelhecimento apresenta fatores distintos, como dependência de companheiro ou de familiar, diminuição de agilidade nas atividades funcionais; às vezes, ausência de mobilidade e, no caso de portadores de doenças incapacitantes ou não, a ajuda constante de outra pessoa. Geralmente, essa outra pessoa é o esposo ou a esposa ou uma pessoa muito próxima da família. Na ausência dessa pessoa por morte, o idoso se sente desamparado, angustiado, ansioso e sem condições de assumir suas necessidades. O idoso convive com conflito de insegurança, sentimentos de perda irreparável e indecisões quanto à continuidade da vida. Esses fatores o levam a sentir profundamente a perda, principalmente quando a pessoa que morre está muito próxima de si. Portanto, não se pode afirmar que existe uma causa para o sentimento de perda pelo idoso, mas um complexo de valores associados que devem ser ponderados e reparados por todos e pela sociedade. (PO)

Fonte: http://especiais.correiobraziliense.com.br/crescem-os-casos-de-suicidio-entre-idosos-no-brasil

SUICÍDIO DE IDOSOS: UM ALERTA À SOCIEDADE

O suicídio constitui uma das formas de violências autoinfligidas, na qual o indivíduo intencionalmente tira a própria vida. O comportamento suicida varia desde a ideação de se matar até a elaboração de um plano e a obtenção dos meios para realização do ato, e representa hoje, no mundo, um importante problema de saúde pública.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os idosos são o grupo populacional de maior risco para o suicídio. Apesar disto, este fenômeno ainda recebe pouca atenção das autoridades da área de saúde pública, de pesquisadores e da mídia, os quais, em suas reflexões e ações, costumam priorizar os grupos populacionais mais jovens. No Brasil, cerca de 1.200 pessoas com 60 anos ou mais morrem a cada ano em decorrência de suicídio.

Considerando apenas a população geral, observa-se que houve aumento das taxas de mortalidade por suicídio em todos os estados da região Nordeste entre 1980 e 2009, de acordo com dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério
da Saúde (SIM/MS), disponíveis no site do Datasus.


As taxas da região Sudeste se mostram baixas, oscilando em torno de 5 óbitos por 100 mil habitantes neste período. Para a região Sul, local onde as taxas são substancialmente mais elevadas em todos os estados, observa-se um decréscimo das taxas de suicídio para a população geral. Estas, no entanto, ainda se encontram em patamares elevados, acima de 14 óbitos por 100 mil habitantes, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.


Na região Centro-Oeste chama a atenção, principalmente, os números do Estado de Mato Grosso do Sul (população geral), os quais figuram acima das 15 mortes por 100 mil habitantes no ano de 2009. As taxas brasileiras para a população com 60 anos ou mais anos ficaram por volta de sete suicídios por 100 mil habitantes durante todo o período (1980 a 2009). Na população masculina, observa-se a manutenção do número de mortes em 12 por 100 mil habitantes, enquanto na feminina houve redução, passando de 3 (em 1980) para 2,4 (em 2009).

O fato de as estatísticas mostrarem queda das taxas nos estados da região Sul, sobretudo em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul – embora continuem a ser as mais elevadas do país – mostra que é possível atuar preventivamente para diminuir as mortes autoinfligidas, ação que vem ocorrendo em vários municípios nos últimos anos.

As áreas de saúde e social têm um papel fundamental no apoio e na proteção das pessoas idosas, sobretudo, para que se sintam úteis, ativas e socialmente integradas. Os que vão perdendo a autonomia física, psicológica e econômica, necessitam de mais cuidados e, por isso, costumam perder também o sentido da vida. A OMS e o Ministério da Saúde oferecem orientações que contribuem para que os profissionais da área, principalmente os de Saúde Mental, promovam ações efetivas de prevenção e de promoção da vida.

Ernesto 
CVV Florianópolis (SC)

  Resenha da revista Ciência & Saúde Coletiva, volume 17,  nº 8, agosto de 2012

 

Comentários